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Haver... Havia.... Não era grande coisa... Mas haver havia...
Fonte da Imagem: AP Photo/Uttam Saikia
A fatalidade faz-nos invisíveis.
Gabriel García Márquez, in "Crónica de uma Morte Anunciada"
Enquanto o foco da atenção mundial se concentra nas cheias de Houston (nada contra) e nos 20 anos da morte de uma Princesa, parece que existe algo que anda a passar ao lado da actualidade. De facto, é do conhecimento público que só nos lembramos da Ásia quando falamos de viagens ou quando queremos imitar as pseudo-celebridades em destinos exóticos, todavia, rapidamente nos esquecemos do que é viver longe de um resort 365 dias por ano nessas regiões. Há períodos próprios para sermos apaixonadamente étnicos.
As monções sazonais já provocaram cerca de 1200 mortos e estão a afectar cerca de 50 milhões de pessoas na Índia, Nepal Paquistão e Bangladesh. Mortes provocadas por deslizamentos de terras, picadas de cobra - é verdade, morre-se de picadas de cobra - desmoronamentos de edifícios e afogamentos são as principais causas. Na Índia, nem o Parque Natural Kaziranga escapou, contando-se até ao momento cerca de 250 animais mortos entre rinocerontes, veados e um tigre de bengala - a primeira foto fala por si!
Todavia, no nosso pequeno mundo, andamos preocupados com séries televisivas, com princesas defuntas e opiniões de humoristas com carácter vinculativo. "Menos mal" que dos Estados Unidos sempre nos cheguem notícias do Texas, mas até algumas delas servem para bater em Donald Trump e na Primeira-Dama, ou até para nos assustarem com o preço da gasolina. O Texas pode desaparecer do mapa, a gasolina é que não pode aumentar. Alguém ontem falava do "jornalixo", não andará longe, pelo menos em muitas redacções...
Fonte da Imagem: AP Photo/Manish Paudel
Pior que as mais recentes actualizações, serão também aquelas que nunca saberemos pelos media que actualizam cada passe de um defesa da selecção nacional, mas não actualizarão o número de vítimas quando as águas descerem e as lamas forem removidas... A realidade, é que a época das monções acontece todos os anos... E todos os anos morrem milhares de pessoas naquela região, mas todos os anos são mais importantes a "época de transferências" e as contratações do Real Cascalheiro de Frielas ou do Solteiros e Casados de Muge do que um sem número de seres-humanos, fauna e flora... Mas também não será de admirar, no que depender dos cidadãos, uma tragédia bem "menor" que matou mais de seis dezenas de pessoas e feriu ainda mais de duas centenas vai passar impune...
A globalização pode ser uma realidade, mas existem países cujas cabeças dos cidadãos, instituições e media insistem no provincianismo bacoco que nem Verney e os seus pares conseguiram vencer. Antes de falarmos de isolacionismo na Coreia do Norte, seria prudente pensarmos em nós...
Finalmente, confesso que, depois de pensar que após a primeira foto já nada me espantaria, a segunda imagem fez-me engolir em seco ao ver o sorriso destes homens e destes jovens - quando por cá choramos simplesmente porque não encontramos aquele par de sapatos que tanto queremos, ou porque amanhã não estão 35º mas estão 30º, ou simplesmente porque a isso chamamos stress e entramos em depressão porque ainda não fizemos as malas para a próxima viagem e caos maior, até estamos de férias. Faz-me questionar onde estará a pobreza, se em Mumbai ou se em Lisboa, Porto ou outra qualquer cidade portuguesa.
Hoje esperava publicar um texto e sugestões literárias e musicais (ficará para segunda-feira), mas efectivamente não posso ficar indiferente a tantas palas (voluntárias?) nos olhos...
Bom fim-de-semana...
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