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Haver... Havia.... Não era grande coisa... Mas haver havia...
No âmbito do desafio lançado pela colega Mami, eis-me aqui a falar sobre um Feijão Frade no Deserto. Sim... eu também pensei algo como: "que coisa mais parva!".
Já imaginaram a vida de um feijão frade? Acredito que já todos pensámos em tal manifestação de existência. A vida do feijão frade é antiga e digna de uma verdadeira diáspora, ou não fosse este oriundo de África e tenha agora uma comunidade por todo o globo. Por pouco não se chamava rabi ao invés de frade...
Colhido seco, ou vai para uma embalagem para posterior venda ou é imediatamente cozido e fechado numa lata com outros tantos amigos e familiares da mesma colheita... estão a ver um autocarro da Carris em hora de ponta? Algo como isso, mas menos doloroso.
No entanto, o que vos vou contar é uma história que tem sido passada de geração em geração em muitas famílias da mais alta elite - a história do feijão frade que acabou no deserto. Poderia ter acabado numa salada de atum com cebola e salsa, mas aqui tudo foi diferente...
Este feijão frade cresceu num pé de feijão em Morogoro, na Tanzânia. No primeiro dia em que teve oportunidade de ver o sol, foi imediatamente colhido e metido num enorme cesto de palha. Na viagem para o barco, os feijões mais velhos contavam histórias de arrepiar - feijões que eram comidos em restaurantes de má fama, feijões que passaram da validade e acabaram com falta de ar, feijões até, que foram atirados pela pia da cozinha e acabaram por morrer moles e afogados numa ETAR - histórias terríveis.
Contudo, numa escala em Casablanca, o nosso feijão e outros tantos foram colocados em camiões para serem transportados por essa via para a Europa, mas na verdade o destino do nosso feijão seria outro.
Quando, num percurso esburacado e sob uma tempestade de areia, o saco que transportava o nosso feijão, já de si mal fechado, caiu e espalhou milhões de feijões pelo chão, este nunca esperou que acabaria de aterrar em pleno Saara.
Tinha sido transportado durante centenas de quilómetros até ficar sozinho no deserto. E também no deserto a vida não foi fácil. No primeiro dia, não fosse o vento e seria comido por uma cobra e no segundo quase que fora sugado por areias movediças.
Procurou água, contudo cedo percebeu que água e feijão são uma combinação letal e que provoca uma moleza extrema nesta espécie de semente. O deserto, apesar de monótono, era cheio de perigos e nem uma lata de marca branca para servir de abrigo surgia no horizonte.
Triste e aborrecido, este nosso feijão procurou uma saída. Desejava que o seu destino fosse a Europa onde seria consumido num glamoroso restaurante de Paris ou Londres. No entanto, ali naquele local seco e sem fim, via a sua vida desperdiçada e elevada ao nível daqueles feijões que são comidos com atum de lata num qualquer café central, sem qualquer requinte e reconhecimento.
Desiludido por vaguear solitariamente por bancos de areia, por dunas infindáveis, cansado daquela vida errante eis que se abandonou ao absurdo. Acabaria engolido por areias movediças.
Mas a história não acaba aqui.
Ao contrário do que esperava, não sufocou. Lá em baixo uma pequena corrente de água passava e, contra todos os medos aí se encostou e adormeceu. Dormiu dias a fio e eis que um dia deu consigo a acordar cheio de raízes a sair do seu pequeno corpo. Fechou os olhos novamente, sorriu... e adormeceu para sempre.
Foi o primeiro pé de feijão do deserto, um pé de feijão que fez nascer outros tantos feijões e que transformou aquela zona inóspita, para sempre num jardim. Um jardim, que se transformou num enorme oásis e alimentou um sem número de povos do deserto que até aí lutavam por comida.
Fonte da fotografia: Jornal de Oleiros, 2016
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