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Haver... Havia.... Não era grande coisa... Mas haver havia...
Imagens: Robinson Kanes
Estamos em Moscoso, o distrito de Braga despede-se e ao longe já quase se avista o distrito de Vila Real e consequentemente Trás-os-Montes. A diferença paisagística é nula e não são raros os habitantes de Cabeceiras de Basto que já se sentem mais transmontanos que minhotos.
Ficando a aldeia para trás, e também a conhecida Adega Regional, é hora de seguir caminho, um percurso clássico e com as clássicas Timberland - não são à prova de água, são mais pesadas, mas é outra atitude, é outra história e por estas terras os caminhos a isso se prestam.
As barrosãs fazem parte da paisagem, seja pelos campos seja inclusive pelas estreitas estradas que percorrem aquela zona do concelho ou a principal que é a Estrada Municipal 1700 e que mais tarde nos guiará até à UZ seguindo-se umas bebidas bem frescas em Cavez. Cavez, conhecida por uma personagem da "Liga dos Últimos", mas também é um ponto de paragem obrigatório antes de nos despedirmos de Cabeceiras de Basto e entrrarmos em Ribeira de Pena.
Antes de deixarmos os trilhos, vamos apreciando as aves de presa até entrarmos no denso mato, e pode ser aqui que as coisas mais se podem complicar. Não há um caminho, pelo menos desta vez, e é aqui que o calçado "old school" ganha pontos ao mais moderno.
Por estas bandas, como por outras paisagens, ou está frio de gelar ou um calor de derreter, sofremos do segundo. Por sorte, a água ainda desce pelas serras, permite-nos lavar o rosto e até, em último caso, abastecer o cantil. Paramos, ouvir a água a percorrer os altos enquanto a passarada não cessa no seu chinfrim habitual, isto enquanto uma ave de presa voa pelos céus e assusta quem voa mais baixo. Não conseguimos identificar, está longe mas já se faz ouvir.
A Serra da Cabreira é encantadora, a alemã é por ela apaixonada e por ela se deixa levar. Queremos chegar a uma posição onde podemos ver a cascata e o Monte Farinha, mais conhecido pela Senhora da Graça. Um pico enorme num vale rodeado de grandes montanhas e com o Alvão a mostrar o melhor de si. Está longe de ser um dos pontos mais altos de Portugal, mas a sua localização, a sua elevação, tornam-no num monumento natural único no nosso país.
Ficamos por aí, com a cascata lá em baixo, com a Senhora da Graça ao longe e deixamo-nos farejar por esse nariz, esse grande nariz que é do mundo não sem antes receber em troca os aromas da Cabreira. Percebo também porque é que pontualmente me custa tanto correr os dez quilómetros de ida e volta que me levam de Leiradas a Cavez. É sempre a subir... Será que é a alma do bruxo que me dá força?
Olhamos tudo à nossa volta e percebemos que talvez estejamos no centro do Mundo, rodeados pelo Gerês e pelo Alvão. Sente-se o cheiro do verde de Amarante a chegar do lado de Mondim, bem servido numa caneca e muito fresco e já se começam a pensar nos 100 quilómetros (ida e volta) que ligam a Estação do Arco de Baúlhe à Estação de Amarante...
Terras do Baixo-Tâmega a chamarem por nós, terras únicas que já absorvem os ares do Douro, terras de boa gente, terras onde facilmente nos apaixonamos...
Imagem: Robinson Kanes
Ce n'était pas des action de grâces qui pouvaient me monter au lèvres , mais ce Nada qui n'a pu naître que devant de paysages écrasés de soleil. Il n'y a pas de l'amour de vivre san désespoir de vivre
Albert Camus, in "L' Envers et L'Endroit"
Imagens: Robinson Kanes e GC
E estamos de regresso a Santa Cruz, o último local que pisaremos nesta aventura. A estrada de regresso cansa-nos os olhos - queremos, mais uma vez, guardar toda aquela paisagem e acima de tudo todas aquelas vivências, como se pudessem estar escritas em cada árvore; em cada quilómetro de alcatrão ou de terra; em cada gota de chuva. Queremos recordar a força do mar na Fajã Grande, queremos sentir a natureza no seu estado mais puro a fazer das suas em pleno Atlântico.
Depois de uma ida ao supermercado, já com muitas prateleiras vazias e sem qualquer tipo de pão, rumamos ao Museu da Fábrica da Baleia do Boqueirão. Como referi, embora nos choque o facto de se matar um animal como a baleia, reconhecemos que também está por detrás um sem número de histórias de vida e de pessoas que deram essa mesma vida para poderem sobreviver naquela ilha dos Açores. Não devemos fugir a essa realidade; a homens que tudo deram para tirar do mar o seu sustento.
O museu é simples (como se quer num misto de antropologia com arqueologia industrial), está vazio, com pouca gente. É contudo, uma obra fundamental para a ilha e que se percebe em cada parede e em cada máquina. Percorremos os diferentes espaços, fazemos perguntas e também vemos algumas fotografias que nos deixam mais tristes, quer ao nível de perdas humanas quer ao nível das perdas animais. Temos de ver, é a realidade, é um mundo passado (ainda real em alguns países).
Lá fora... O tempo arrefece, mas ainda convida ao passeio, além de que ainda falta algum tempo para provar os acepipes do senhor Rogério. Despedimo-nos dos simpáticos colaboradores do museu e voltamos a caminhar por Santa Cruz cujos habitantes agora não se encontram nas ruas... Poucas almas, um vento que sopra com alguma intensidade e o som do mar. A capital da ilha só para nós... E o Corvo, como sempre, tão perto...
Heeeeey... Gritamos nós na esperança de que nos escutem. Afinal, estamos sozinhos na rua, já não nos chamam loucos. Esperamos que o vento transporte o nosso chamamento até à pequena ilha. Esperamos uma resposta, mais um convite para um jantar animado, mais umas cervejas à mesa do BBC. Não obtemos retorno e continuamos a deambular pelas ruas, vagueando desprendidos mas atentos a cada pormenor. É nas coisas mais simples e mais vazias que se encontram os maiores segredos...
Anoitece... E queremos voltar a desvendar um dos segredos desta ilha na simplicidade do Servi-Flor - os pratos do senhor Rogério. O pargo está óptimo, a salada de alface e tomate sempre com aquele molho especial... E o pão, e o queijo... Terminamos no bar com um martini e uma conversa com o senhor Rogério. Ficamos a conhecer um pouco melhor a ilha, as aventuras dos céus dos Açores e a reconhecer a amizade deste nosso companheiro. Na zona do bar imaginamos aquele espaço, em tempos idos, repleto de soldados franceses e deixamos que essa imagem nos acompanhe até à cama. Fecho os olhos com Santa Cruz e a folia dos franceses na minha imaginação.
Amanhã é o dia da partida e o fim da aventura... Pelo menos, nas Flores...
Continua...
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