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Haver... Havia.... Não era grande coisa... Mas haver havia...
Créditos: https://mk2films.com/en/film/taguerabt-divas/
A sabedoria só nos chega quando não serve para nada.
Gabriel Garcia Marquéz, in "O Amor nos Tempos de Cólera"
Em Portugal, ficou famoso um indivíduo que deu a ópera como morta e constantemente faz questão de reforçar essa temática. Compreendo as palavras do mesmo, o Ser alpinista que bebendo da vontade das elites pseudo-intelectuais e que estranhamente ocupa o espaço radiofónico sem ter qualquer dicção poderá encontrar na realidade nacional um São Carlos deprimido sempre com os mesmos espectadores, uma maioria a convite ou que simplesmente não paga e uma outra que só vai à ópera porque sim.
Todavia, Portalegre e Lisboa não são o centro do mundo e a cultura não se adquire com uma viagem aqui ou acolá para preencher CV, pelo que, caminhemos até à terra que viu Camus nascer. Foi através da Ópera National de Paris que ficou famosa a construção de uma sala de ópera em Argel com capacidade para 1400 pessoas.Estamos a falar de Argel, capital de um país sem grande tradição operática mas de uma riqueza cultural imensa. Foi também neste contexto que no passado mês de Setembro saiu para a rua o pequeno documentário de Karim Moussaoui, "Les Divas du Taguerabt".
Moussaoui partiu em busca de uma espécie de ópera ancestral, das mulheres que cantam nas grutas melodias que encantam e seduzem todos aqueles que escutam estas vozes com atenção. E encontrou-as... Encontrou-as e descobriu um opíparo Património da Humanidade que, sem dúvida, também terá o seu lugar na nova sala de Argel.
Neste imenso país, de ancestrais tradições, de nascimento, passagem e queda de muitos impérios, Moussaoui deu a conhecer ao Mundo as vozes da terra, as vozes do Norte de África, um cântico feminino de valor incalculável e que pode ser apresentado lado-a-lado com qualquer ópera, com qualquer outro espectáculo até, prova de que, por muito que queiramos porque é "cool", existem coisas que não poderemos destruir, mesmo julgando-nos grandes (e só mesmo isso) no nosso pequeno rectângulo. É importante perceber que também todos os dias são compostas novas óperas, novas peças e não são somente as mais conhecidas que marcam a agenda que queremos destruir - argumentar contra isto, é seguir um discurso "ovelhoa" encomendado entre uma cerveja artesanal e um prato vegan em bares do Bairro Alto.
Vejam o documentário, são só 15 minutos e está no Youtube e deixem-se encantar por estas Senhoras.
Fonte: http://www.thirteen.org/13pressroom/press-release/great-performances-at-the-met-il-trovatore/
Ontem tive a notícia de que o mundo da música ficou mais pobre... Fui confrontado com a morte do siberiano Dmitri Hvorostovsky, o grande barítiono russo que não resistiu a dois anos e meio de luta contra um tumor cerebral.
Dmitri Hvorostovsky é uma jóia russa e isso ficou bem patente nas condolências prestadas pela presidência do seu país. De Hvorostovsky só posso recordar algumas árias de grandes óperas, uma delas a "Di Provenza il Mar Il Suol" da "La Traviata",ópera de Verdi que já abordei aqui, onde desempenhou o papel do pai de Alfredo, o Sr. Giorgio Germont. Deixo aqui uma dessas interpretações, é belo... E porque não dedicarem uma parte do fim-de-semana à "La Traviata?
E como hoje é dia 24 de Novembro, celebra-se também o aniversário da morte de outro senhor da música... O tanzaniano Farrokh Bulsara que em 1991 nos deixava um dia após ter assumido a doença (HIV). Para muitos, este nome é estranho, mas se vos falar em Freddy Mercury já é possível que conheçam... Por isso, depois de uma triste "La Traviata" e de chorarmos a morte de Violetta, nada como apreciar os "Princes of the Universe" dos "Queen"... Afinal acabamos todos por ser principes neste universo infinito... Gosto especialmente da sonoridade deste tema e claro, da guitarrada a solo do Brian May, o grande guitarrista da banda...
Finalmente, tenho de falar num livro de Ludgero Santos e que não é fácil encontrar em livrarias... Falo do "Perfume da Savana"... Sei que muito já se falou deste livro por aqui, pelo que vos dispenso a descrição do enredo. Aponto, contudo, que só alguém com uma grande vivência em África poderia escrever tal livro... Muito se escreve de África mas poucos terão experenciado e conseguido colocar em livro ou documentário aquilo que Ludgero Santos nos descreve... Ludgero é um guia de uma África única e de tempos passados que marcaram gerações de negros e brancos... A coroar tudo isto, a capacidade de Ludgero em descrever o amor e em criar uma daquelas histórias que nos prendem e que nem sempre acabam como desejamos...
Desconheço se estamos a falar de ficção ou de realidade, mas a sensação com que fico é que estamos quase num relato na primeira pessoa. Obrigado Ludgero.
Fonte: Própria.
Bom fim-de-semana...
Fonte das Imagens: Própria.
Dizem que este espaço andou à boa vida por estes dias... É possível, desde que não seja atacado pela silly season ainda se vai tolerando...
Esta semana, e posto que ainda se vai relendo o Sr. Garcia Márquez e o seu "Amor em Tempos de Cólera" - Fermina Daza volta a pensar em Florentino Ariza, mas lá acaba por se aproximar mais uma vez de Juvenal Urbino - deixo apenas uma sugestão que combina música e representação: a ópera "La Traviata" de Verdi... Por aqui até costumamos dizer, "Não é que não houvesse, haver havia, mas eram verdis".
E porquê "La Traviata"? Primeiro porque tivemos a experiência de assistir a esta ópera em exterior, mais propriamente no jardim da Pousada do Convento da Flor da Rosa (localidade no concelho do Crato), numa noite quente e onde a companhia "Ópera del Mediterráneo" deu um espectáculo daqueles, sobretudo a Soprano Gema Scabal (Violetta) e o Barítono Carlos Andrade (Giorgio Germont). Falta "Alfredo", mas Vicenç Esteve Madrid poderia ter estado melhor. O facto de se ter realizado no Convento da Flor da Rosa e de ser "La Traviata" não nos fez hesitar um minuto, sobretudo quando já tinhamos visto Rolando Villazón e Anna Netrebko nos papéis de Alfredo e Violetta. O cenário é fascinante, não se nota tanto pseudo-elitismo e o convento fica situado dentro da aldeia - enquanto a ópera se desenrolava sob a luz das estrelas conseguíamos ouvir pontualmente os cães a ladrar e os sinos a tocar - ao invés de prejudicarem a peça, só lhe deram mais força!
Mas a "La Traviata"... Adoro esta ópera, apesar de algum dramatismo exagerado, talvez pela inspiração que a mesma tem na obra de Alexandre Dumas Filho, "A Dama das Camélias" (o libretto é de Francesco Maria Piave). No entanto, é também apaixonante na medida em que estreou em 1853 numa das mais belas salas de ópera que conheço, a "La Fenice" (em Veneza) e depois porque tem árias como "Libiamo ne' lieti calici", "Sempre Libera" e "Addio del passato"... Verdadeiramente brilhantes e das quais partilho convosco alguns vídeos.
A história? Tudo começa com um baile em casa de Violetta, uma cortesã mundana, e a quem é apresentado Alfredo, um nobre que se apaixona por esta, mesmo sabendo que existe um amante: o Barão Douphol. Perante a abordagem de Alfredo, Violetta admite sempre ser incapaz de amar pois mais uma vez é uma imoral mundana! A ária "Sempre Libera" vem daí e perante a insistência de Alfredo à qual Violetta acaba por ceder. Acabam ir viver juntos para a casa de campo da cortesã.
Será também na casa de campo que Alfredo descobre as dificuldades financeiras de Violetta e secretamente se oferece para as colmatar. Contudo, O Sr. Germont, pai de Alfredo e regressado da Provença, receando ver o seu filho enamorado por uma cortesã de má fama, pede a esta que se afaste do seu amado sob pena da irmã de Alfredo não ser desposada e do nome da família ficar manchado. Violetta acaba por ceder, contra todos os seus desejos, e abandona Alfredo. Já vi isto em qualquer lado...
O reencontro dá-se quando Violetta aceita o convite para uma festa em casa da amiga Flora e se faz acompanhar pelo Barão... Nessa festa está também Alfredo que entra em vários desafios com o Barão, quer no jogo (onde o vence) quer depois quando o desafia para um duelo! Este desafio surge porque, a sós com Violetta, Alfredo tenta reaver a sua amada mas esta, satisfazendo o pai de Alfredo, diz amar só e só o Barão! Alfredo humilha e trata Violetta como uma prostituta, chama todos os convidados e atira o dinheiro ganho no jogo para cima desta e sente o repúdio de todos, inclusive do pai que entra em cena já no fim do segundo acto.
Violetta abre mais um acto numa Paris que celebra o Carnaval, tísica e esquecida pelos amigos, excepto Grenvil, médico e amigo (mais um toque de Verdi à sociedade da época). É aqui que recebe uma carta do pai de Alfredo e onde este confessa ter falado ao filho do sacrifício de Violetta. Giorgio Germont diz também na carta que Alfredo se encontra a caminho para pedir o seu perdão. Violetta, contudo, teme que Alfredo não chegue a tempo e é aqui que canta "Addio del passato bei sogni ridenti"... Maravilhoso!!! A gravação da albanesa Ermonela Jaho (último vídeo) é um hino!
Alfredo chega entretanto, acreditando que o amor vencerá a doença mas... Logo após a chegada deste, de Grenvil e de Giorgio Germont, Violetta cai sob os seus braços e morre, não sem antes ter conseguido forças e esperança para acreditar num amor tão poderoso capaz de desafiar o destino cruel.
Como muitos lhe chamaram, uma ópera imoral... Eu iria mais longe e diria que é uma ópera romântica e real que aos morais de capote provoca o asco de se reverem em alguns comportamentos. Uma ópera cujo amor vence tudo, mas só não vence a doença. Um amor que não pode escapar ao destino mortal mas tem de escapar ao, muitas vezes, desejo de morte e à moral. Sobre isso, dizia Ferreira de Castro (in "A Experiência") que "uma moral, qualquer que seja, se, por um lado, se renova, por outro envelhece, e há normas de moralidade colectiva que, com o tempo, revelam toda a sua desumanidade e tornam-se, portanto, imorais".
Apesar da morte de Violetta, talvez seja a lição de que o amor por nada deve ser trocado e contra tudo e contra todos deve ser defendido, porque só a morte tem o direito natural de pôr fim a tudo.
Bom fim de semana...
As três árias para vos contagiar:
"Libiamo ne'lieti calici"
"Sempre Libera"
"Addio del passato"
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