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Haver... Havia.... Não era grande coisa... Mas haver havia...
Imagens: Robinson Kanes
Apesar de distarmos cerca de 1000Km de Teerão, continuamos a quase 1600m de altitude! Embora não pareça, dentro da cidade temos até a sensação de que estamos numa planície. E pensar que ainda nos faltam pouco mais de 550km para chegar a Bandar Abbas, no Estreito de Ormuz.
Aterramos, literalmente, na capital da província de Fars: Shiraz, ou Xiraz. Já sentimos o forte calor da terra, é de madrugada mas é a hora em que o solo respira e a humidade é uma presença que não deixa a nossa respiração e os tecidos que nos cobrem indiferentes. Esta é uma das cidades mais antigas da Pérsia, tem mais de 4000 anos (registos actuais) e acompanhou todas as "revoluções" que possamos imaginar ao longo da história desta região. Chegou inclusive a ser a capital durante a dinastia Zand erguida por Karim Khan - os Vakilol Ro'aya, ou "defensores do povo" como se intitulavam e que criaram, pelo menos em termos de imagem, uma oposição a um certo sentimento de autoritarismo.
Estamos também na Rota da Seda e Shiraz foi um importante entreposto, sobretudo pela sua localização e interface entre a rota marítima e a rota terrestre. Andamos por terras que os imperadores aqueménidas, sobretudo Xerxes e Dario ajudaram a erguer e a dinamizar comercialmente. E encontramo-nos a cerca de 60Km de Persépolis, outro sonho (lá iremos)... Estaríamos meses a falar sobre a história da região, por isso, nada como nos deixarmos encantar pela "Cidade dos Jardins" como é conhecida. "Cidade dos jardins" e "cidade dos poetas", pois é também a terra de Hafez (que iremos escutar mais tarde a ser declamado perto do bazaar) e de tantos outros... E por mera curiosidade, foi também aqui que nasceu Siyyid `Alí Muhammad Shírází, o inspirador do Babismo.
Andar pelo Irão é inalar história, é tropeçar em cultura, é fazer uma travessia pelo quase nascimento da civilização até aos dias de hoje, contudo, com uma riqueza que muito poucos países/regiões acompanham. Contudo, é em Shiraz que estamos e é em Shiraz que queremos percorrer as ruas, conhecer gente que terá muitos dos seus genes num passado rico e singular.
E em Shiraz essas ruas são movimentadas, é mais uma daquelas cidades iranianas que se deita tarde e em alguns pontos questionamos se chega realmente a dormir. Quem descansa em paz, e na terra que o viu nascer, é o próprio Hafez que se encontra sepultado a norte da cidade, mais precisamento nos jardins de Musalla. Quiçá o poeta e herói (no Irão os poetas são heróis) esteja a pensar como os seus poemas influenciaram a sociedade iraniana e não só, como ainda hoje são um elogio ao comportamento da natureza e da Humanidade. O muezim chama, é hora da oração, não sem antes prestarmos a devida homenagem ao poeta no seu mausoléu e com a protecção da grande "Cordilheira de Zagros" que nos seus 1500Km tem início entre a Turquia e Iraque e termina no Estreito de Ormuz. Fascina-nos fazer parte também dessa natureza, até porque a vamos reencontrar e testemunhar a força da sua extensão e altitude.
Enquanto caminhamos pelas ruas não dispensamos também uma passagem pela Karim Khan, a Cidadela que nos fascina pelos seus relevos e torres inclinadas - a conselho de um local, visitamos também ao pôr-do-sol, pois é quando se torna mais bela e onde muitos habitantes da cidade se reunem para confraternizar, além disso a sua proximidade com o Vakil Bazaar, o maior de Shiraz, é um atractivo extra.
Voltamos ao final da tarde, início da noite, é hora de nos sentarmos perto de Karim Khan e sermos abordados por um sem número de pessoas. As crianças querem posar para a fotografia. Acabamos por conhecer um turquemeno e torna-se impossível não termos sido remetidos para a história das tribos turcas do hoje cazaquistão e que ocuparam aquele território no século X. É viajar no tempo estando no presente... É único e ocupa-nos muitos minutos de conversa, sobretudo com o auxílio de um iraniano que vai servindo de tradutor. Nós, os portugueses, um iraniano e um turcomeno, sentados na cidadela a estudar história, ou melhor, a senti-la e a quebrar todas as barreiras fronteiriças e religiosas.
Deixamos aquele local e seguimos para o Vakil Bazaar, não mais que cinco minutos... E, mais uma vez, deixamo-nos contagiar pela número de tecidos, ou não fosse Shiraz um importante entreposto da Rota da Seda. No entanto, e para não variar, o que mais nos fascina são as especiarias, as frutas e os frutos secos. Abastecemo-nos de sumac ou sumagre, e recordamos a Turquia... O aneto abunda e também não o deixamos fugir (ainda não sabemos o que fazer com tanto, mas que é do outro mundo é...), e não esquecemos mais alguns temperos porque hoje queremos cozinhar umas almôndegas de carne e vegetais, "khofteh". Compramos várias misturas e claro, voltamos ao açafrão Iraniano, o ouro que nem sempre é fácil de encontrar se quisermos qualidade.
São horas de sair, deixar que o canto dos pássaros que se encontram em algumas gaiolas na extremidade do bazaar se fiquem com as vozes de comerciantes e compradores... Não são mercados ruídosos como noutros locais, nomeadamente Marrocos ou até Turquia, mas têm a magia dos iranianos e isso é mais que suficiente para que um sem número de sons se funda sem um se sobrepor ao outro.
As "almôndegas" ficaram óptimas e agora é hora de descansar, o dia amanhã promete numa cidade que respira o perfume da História...
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