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Haver... Havia.... Não era grande coisa... Mas haver havia...
Créditos: https://www.healtheuropa.eu/brits-demand-more-mental-health-services-after-covid-19/102922/
Quanto mais sabemos menos conseguimos prever.
Yuval Noah Harari, in "Homo Deus"
A globalização, o progresso e até o conhecimento produzido, permitiu que pandemia de SARS-CoV-2 atingisse uma escala nunca antes vista na Humanidade. Todavia, o balanço ainda vai demorar muitos anos e (espero eu que não) talvez possamos chegar à inferência que fizemos uma gestão desastrosa da mesma, seja ao nível governamental seja ao nível de todos nós, cidadãos.
Tentei evitar a partilha de alguns casos, mas o somatório de situações coloca-me perante uma situação mais complexa. Se por um lado a saúde mental dá uma oportunidade a quem nela trabalha nestes tempos (ou melhor, aos que colocam o paciente como prioritário e que não vendem banha da cobra, como diz o povo) por outro deixa-nos muitas questões por responder. A situação actual permitiu também perceber que no foro médico, a saúde mental não tem o valor que deveria ter e que uma Ordem dos Psicólogos Portugueses não é mais que um baile de máscaras e posições bem remuneradas - a existência da mesma chega a ser uma castração da própria saúde mental.
O primeiro caso que aqui trago é de uma professora que está perto dos 60 anos. Uma pessoa extremamente inteligente, viajada e com uma visão da realidade bastante apreciável. Até aqui nada de novo, apenas que, esta senhora, entrou numa espiral de medo em relação à pandemia que ninguém consegue explicar. O espoletar do pânico surgiu em Abril, durante o confinamento e, segundo o esposo, devido às horas fechada em casa com a televisão como companhia. Actualmente não sai de casa e só chamadas via Skype com os netos estão a atenuar a situação. Não a reconheço...
O segundo caso é similar em termos de formação profissional e humana, todavia ainda estamos a falar de alguém mais viajado e completamente fora do status quo. Esta é a mulher que se o marido não quer sair do país para viajar ela sai... É a mulher livre, que se cuida e vive toda a sua vida com uma postura, se me permitem, bastante para a frente. Só recentemente consegiu sair à rua e mesmo isso é uma tormenta para o marido pois, e a título de exemplo, nem sequer tem ajuda com os sacos do supermercado, não vá o vírus estar presente. Tudo o que é possível é congelado, tudo o que não é, é escaldado... O que não encaixa, não se consome. A senhora não coloca a mão numa maçaneta, seja em casa ou fora dela. Não é de televisões, mas de jornais... Atenta aos comentadores e às notícias destes. Não a reconheço, e aqui devo dizer que fiquei deveras surpreendido, podia cair uma bomba nuclear que esta senhora rapidamente levantaria a cabeça e socorreria os mortos.
O terceiro caso é um cavalheiro. Imaginem alguém com uma carreira política, conhecedor do mundo, empresário e uma daquelas pessoas que se lhe apetecer jantar esta noite em Nova Iorque de tudo faz para que isso aconteça. Alguém também esclarecido, atento, com formação superior e que muito dificilmente embarca em situações de pânico, bem pelo contrário. Actualmente não sai de casa, vive fechado e culpando todos os outros que relativizam o que se passa na televisão (televisão essa que está sempre ligada à espera de desenvolvimentos acerca da pandemia), porque continuam com a sua vida. Ninguém fora do seio familiar entra em casa, nem para fazer reparações... Os negócios não são prioridade, controlo dos mesmos totalmente perdido.
Outros casos poderia juntar, pelo que, a minha questão é simples... Como é que estamos a lidar com estas situações? Como é que, em certa medida, não seremos também responsáveis por estar a destruir a vida de dezenas (e escrevo dezenas porque só me estou a cingir aos casos que conheço) de cidadãos com o actual estado de pânico e informação excessiva, não raras vezes, sem qualquer filtro ou aferição se a mesma é real. Em Espanha, dispararam ao pontos dos dentistas não terem mãos a medir, os casos de bruxismo que podem ter danos irreversíveis nas articulações temporomaxilares e causar um desgaste gigantesco nos dentes. Nos Estados Unidos a Kaiser Family Foundation (KFF) reportou que 53% dos norte-americanos reportou que a sua saúde mental tinha sido afectada (durante os primeiros tempos da pandemia eram 32%). Os números, até Julho, não pararam de subir como se pode aferir pelo gráfico abaixo. Se a isto juntarmos o consumo de fármacos, o aumento das taxas de alcoolismo e suicídios, temos um cocktail explosivo, além de que, não será novo dizer que este tipo de problemas não se resolve com vacinas de um dia para o outro.
Fonte: KFF, 2020
Em Wuhan, e segundo a Lancet, o alegado berço do vírus, profissionais de saúde tiveram um acompanhamento psicológico singular com duas equipas, uma equipa de resposta com a participação de directores e assessores de imprensa nos hospitais (geriu equipas e a comunicação) e uma outra equipa técnica que formulou instrumentos de intervenção, regras e providenciou pareceres técnicos supervisionando o processo. Uma terceira equipa composta por psiquiatras fez a intervenção no terreno e uma quarta participou numa espécie de hotline assistance dando formação em como lidar com o vírus e também como lidar com alguns problemas de saúde mental. Foi na China... Com tanta informação, tantas tendências importadas e neste campo estamos a ser tão tardios.
E como não poderia deixar de ser, os indivíduos mais vulneráveis, apesar de não representarem os casos que acima apresentei, serão os mais afectados que em termos de saúde mental e também em termos de salários e condições de vida. Se a isto juntarmos o aumento da workload e de traumas que os tornam mais susceptíveis a situações de stress, burnout, depressão e situações de stress pós-traumático, temos um futuro negro para muitos indivíduos.
Uma boa saúde mental, em circunstâncias normais é fundamental para uma sociedade funcionar bem, se tivermos em conta os números que não cessam de aumentar por causa da pandemia, vamos perceber que a reposta e a recuperação durante e após a pandemia será muito mais desafiante, além de que a saúde mental de um país não é conduzida por académicos nem pode viver apenas de palestras e artigos de opinião.
Virá um pós-covid, aliás para mim já é uma realidade, não consigo estar quieto, todavia ele virá e alguém terá de apanhar os cacos...
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