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Haver... Havia.... Não era grande coisa... Mas haver havia...
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Em nada o homem está, ainda hoje tão perto do macaco como no que diz respeito aos negócios.
Elias Canetti, in "Massa e Poder"
Em Portugal existe a tendência para o queixume em relação à forma como os candidatos a um emprego são tratados pelas organizações. É um facto que existe uma mais que proeminente tendência para a ausência de clareza e respeito nos recrutadores, no entanto, não são raras as situações em que nem sempre o "lado negro da força" está na entidade recrutadora/empregadora.
Partilho uma situação que me chegou, e que me leva a crer que em Portugal existem vários mundos, mesmo entre candidatos: o mundo daqueles que se mexem muito bem em termos de compadrio e nem se podem considerar candidatos, o mundo daqueles que pouco fazem para conseguir um emprego mas ele lá acaba por surgir (muito networking, muito show off, muitos louros por intermédio de outros e falta de ética) e ainda aqueles que, por mais que se esforcem, não conseguem um emprego com facilidade. Ainda há espaço, curto, para aqueles que se esforçam e até conseguem alguma coisa.
A situação que relato é verídica e encontra-se, muito provavelmente, no segundo patamar. Portugal é um país de corporativismos que se reflectem também nas classes profissionais e por isso, embora existam muitos profissionais no mercado, só meia-dúzia parece ter a atenção dos recrutadores.
Imaginem um indivíduo que não é genial mas vos é remetido por uma empresa de recrutamento (genial é, pelo menos na forma como se promove). Não é o vosso preferido, mas também não são vocês que têm de escolher, é dada a liberdade para o supervisor directo o fazer. Este indivíduo, não sendo brilhante, sofre do excesso de confiança de quem está confortável num emprego e está alheio a muitas dificuldades - sobretudo as que virão num futuro não longínquo. Em todo o processo e com o indivíduo a merecer a preferência, é tida em conta a oferta de um salário bruto acima dos €3000 - bastante acima - viatura (algo que nem estava no plano) e os habituais seguros e benesses que já vão sendo prática em algumas empresas.
A verdade é que existem red flags que alguns de nós já vão conseguindo identificar, nomeadamente o medo de sair da actual empresa (porque se tem um contrato efectivo e com alguns anos de permanência) e a interpelação ao recrutador com perguntas do género, e passo a citar: "Qual é a marca,o modelo, tipo de combustível e qual o plafond de combustível?". É importante focar que este profissional, no seu trabalho, não tinha nem metade dos benefícios e muito menos viatura própria para uso pessoal - sim, porque a função mal exige que se desloque. Bons tempos em que um Fiat Uno ferrugento servia muito bem para mim e nem isso tive! E não sou assim tão velho, aliás, já nem sou do tempo do Fiat Uno.
Apesar de tudo, e porque existem boas pessoas neste país (por mim tinha sido imediatamente descartado), são dados todos os esclarecimentos. São prestados os esclarecimentos e ao fim de alguns dias chega o compromisso de que a oferta vai ser aceite.
A organização mobliza-se, tudo se prepara para receber o candidato e eis que, o departamento de recursos humanos recebe um email numa madrugada de um fim de semana. O grande candidato, esse "terror" do LinkedIn, o "profissional top" (ainda estou para perceber onde) informa que vai voltar atrás na proposta - na segunda-feira era o primeiro dia.
Contactado pela organização, ignora todas as chamadas! Fá-lo também em relação à empresa de recrutamento e, até hoje, ainda não existe retorno. Entretanto, já se passaram umas semanas e casos destes não faltam. Talvez seja um aviso à navegação, talvez para procurar naqueles currículos que são enviados por candidatos que ainda acreditam que alguém um dia vai olhar para os mesmos e reconhecer todo o seu valor.
Em relação à nossa "estrela cadente" (porque o mundo é pequeno), "profissionais" destes não faltam, sobretudo num país onde são sempre os mesmos, onde não existe abertura para recrutar pessoas diferentes e até com diferentes backgrounds. Ainda por estes dias, à procura de uma pós-graduação, em várias instituições de ensino dou sempre comigo a ter de ver os suspeitos do costume, sempre a mesma gente e em alguns casos, sempre a mesma súcia.
São também estes mercenários que não permitem a "ascensão" ou chegada ao mercado de trabalho de outros indivíduos que efectivamente são bons, se esforçam, e perdoem a expressão, dão o litro! Dão o litro, e sejamos francos e racionais, até trabalham por muito menos - embora eu não defenda políticas de baixos salários só porque sim. Os outros, os outros são os "profissionais" que trabalham apenas por ganância e com total ausência de ética, que trabalham para a viatura que impressiona amigos e vizinhos mas que, na realidade, o trabalho em si, pouco os move.
Mas afinal, talvez seja eu que estou errado e não consigo conceber um emprego sem uma dose de paixão.
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